Palavras fundamentais 
Faz com que a tua vida seja
sino que repique
ou sulco onde floresça e frutifique
a árvore luminosa da ideia.
Alça a tua voz sobre a voz sem nome
de todos os demais, e faz com que ao lado
do poeta se veja o homem.
Enche o teu espírito de lume;
procura as eminências do cume
e, se o esteio nodoso do teu báculo
encontrar algum obstáculo ao teu intento,
sacode a asa do atrevimento
perante o atrevimento do obstáculo.
(Tradução de Albano Martins)
Pétala
Braços que assentariam bem à Vénus de Milo;
olhos com resplendores de estrela ou de punhal
Quem tivesse, senhora, a glória de oferecer vos
o coração e um madrigal!.
(Tradução de Albano Martins)
Little Rock
Um blues chora com lágrimas de música
na manhã fria.
O Sul branco agita
o seu chicote e fere. Entre espingardas
pedagógicas as crianças negras vão
à sua escola de medo.
Quando chegarem às aulas
Jim Crow será o professor,
filhos de Lynch serão os condiscípulos
e haverá em cada carteira
de cada criança negra
tinta de sangue, lápis de fogo.
Assim é o Sul. O seu chicote não pára.
Naquele mundo faubus,
sob aquele duro céu faubus de gangrena,
as crianças negras podem
não ir com as brancas à escola.
Ou ficar suavemente em casa.
Ou (nuca se sabe)
deixar se ferir até à morte.
Ou não se aventurar pelas ruas.
Ou morrer entre balas e cuspo.
Ou não assobiar à passagem duma rapariga branca.
Ou, enfim, baixar os olhos yes,
dobrar o corpo yes,
ajoelhar se yes,
naquele mundo livre yes
de que fala Foster tonto de aeroporto em aeroporto,
enquanto a bolinha branca,
uma graciosa bolinha branca,
presidencial, de golfe, como um planeta mínimo,
rola na relva pura, tersa, fina
verde, casta, terna, suave, yes.
E agora,
senhoras e senhores, meninas,
agora, meninos,
agora, velhos peludos e pelados,
agora, índios, mulatos, negros, zambos,
pensai agora o que seria
o mundo todo sul,
o mundo todo sangue e todo chicote,
o mundo todo escola de brancos para brancos,
o mundo todo Rock e todo Little,
o mundo todo ianque, todo faubus
Pensai por um momento,
imaginai o só por um instante.
Tradução de Albano Martins
Relógio
Gosto de certas horas, como as 3 menos um quarto,
porque o relógio parece que tem
uma atitude fraterna, acolhedora,
como se fosse dar nos um abraço.
O tempo, assim, é um Cristo agonizante
que pela ferida das costas
vai perdendo sangue subtilmente
entre o Futuro e o Passado.
West Indies, Ltd.
1.
West Indies! Nozes de coco, tabaco e aguardente
Este é um escuro povo sorridente,
conservador e liberal,
ganadeiro e açucareiro,
onde às vezes corre muito dinheiro,
mas onde se vive sempre muito mal.
O sol cresta aqui todas as coisas,
do cérebro às rosas.
Sob o relampagueante fato de cetim
trazemos ainda a tanga;
gente simples e terna, descendente de escravos
e daquela chusma incivil
de variadíssima espécie,
que em nome de Espanha
Colombo cedeu às Índias em atitude gentil.
Aqui há brancos e negros e chineses e mulatos.
Trata se, sem dúvida, de cores baratas,
pois através de tratos e contratos
se confundiram os tons e não há uma cor estável.
(Se alguém pensa o contrário, que avance um passo e fale.)
Há aqui tudo isso, e há partidos políticos
e oradores que dizem: Nestes momentos críticos
Há bancos e banqueiros,
legisladores e bolsistas,
advogados e jornalistas,
médicos e porteiros.
Que pode faltar nos?
E mesmo que nos faltasse mandá lo íamos buscar.
West Indies! Nozes de coco, tabaco e aguardente.
Este é um escuro povo sorridente
Ah, terra insular!
Ah, terra estreita!
Não é verdade que parece feita
só para plantar um palmar?
Terra na rota do Orinoco,
ou de outro barco excursionista,
repleto de gente sem um artista
e sem um louco;
portos onde o que regressa de Taiti,
do Afeganistão ou de Seul
vem a comer o céu azul,
regando o com Bacardi;
portos que falam em inglês
que começa em yes e acaba em yes.
(Inglês de cicerones a quatro pés.)
West Indies! Nozes de coco, tabaco e aguardente.
Este é um escuro povo sorridente.
Rio me de ti, nobre das Antilhas,
macaco que andas saltando de mata em mata,
palhaço que suas para não meter a pata
e sempre a metes até aos joelhos.
Rio me de ti, branco de verdes veias
vêem se bem, embora procures ocultá las!
rio me de ti porque falas de aristocracias puras,
de engenhos florescentes e arcas cheias.
Rio me de ti, negro macaqueador,
que abres os olhos diante do automóvel dos ricos,
e tens vergonha de olhar a tua pele escura,
quando tens o punho tão duro!
Rio me de todos: do polícia e do bêbedo,
do pai e do seu rapaz,
do presidente e do bombeiro.
Rio me de todos; rio me do mundo inteiro.
Do mundo inteiro, que se emociona diante de quatro peludos erguidos muito inchados atrás dos seus ruidosos escudos
como quatro selvagens ao pé dum coqueiro.
6.
West Indies! West Indies! West Indies!
Este é um povo hirsuto,
de cobre, multicéfalo, onde a vida rasteja
com a lama seca estampada na pele.
Este é o presídio
onde cada homem tem atados os pés.
Esta é a grotesca sede de companies e trusts.
Aqui estão o lago de asfalto, as minas de ferro,
as plantações de café,
os port docks, os ferry boats, os ten cents
Esta é a terra do all right
onde tudo está muito mal;
esta é a terra do very well,
onde ninguém está bem.
Aqui estão os servidores de Mr. Babbit.
Os que educam os filhos em West Point.
Aqui estão os que guincham: hello baby
e fumam Chesterfield e Lucky Strike.
Aqui estão os dançarinos dos fox trots,
os boys do jazz band
e os veraneantes de Miami e Palm Beach.
Aqui estão os que pedem bread an butter
e coffe and milk.
Aqui estão os absurdos jovens sifilíticos,
fumadores de ópio e marijuana,
exibindo em vitrinas as suas espiroquetas
e vestindo um fato cada semana.
Aqui está o melhor de Port au Prince.
O mais puro de Kingston, a high life de Havana
Mas aqui estão também os que remam em lágrimas,
galerianos dramáticos, galerianos dramáticos.
Aqui estão eles,
os que trabalham com um feixe de clarões
a pedra dura onde a pouco e pouco se crispa
o punho dum titã. Os que acendem a chispa
vermelha, sobre o campo seco.
Os que gritam: ?Já vamos!?, e responde lhes o eco
de outras vozes: Já vamos! Os que em fero tumulto
sentem latir o sangue com sílabas de insulto.
Que fazer com eles,
Se trabalham com um feixe de clarões?
Aqui estão os que cotovelo com cotovelo
tudo arriscam, tudo
dão com generosas mãos;
aqui estão os que se sentem irmãos
do negro, que dobrando sobre a vala escura
a fronte, se derrete em suor puro,
e do branco, que sabe que a carne é argila
má quando a fere o chicote, e pior se a humilha,
sob a bota, porque então levanta
a voz, que é como um trovão brutal na garganta.
Esses são os que sonham acordados,
os que no fundo da mina lutam,
e ali a voz escutam
com que gritam os vivos e os mortos.
Esses, os iluminados,
os párias desconhecidos,
os humilhados,
os preteridos,
os esquecidos,
os desalinhados,
os amarrados,
os inteiriçados,
os que diante da mauser exclamam. Irmãos soldados!
e rolam feridos
com um fio vermelho nos lábios roxos.
(Que o tumulto siga a sua marcha!
Que flutuem as bárbaras bandeiras
e que as bandeiras ardam
sobre o tumulto!)
Bares
Amo os bares e as tabernas
junto ao mar,
onde as pessoas conversam e bebem
apenas para beber e conversar.
Onde João Ninguém chega e pede
o seu trago elementar,
onde estão João Bronco e João Navalha
e João Narizes e até o João
sem mais, o apenas, o simplesmente
João.
Ali bate a onda branca
da amizade,
uma amizade de gente sem retórica,
uma onda de olá! e como estás?
Ali cheira a peixe,
a mangue, a rum, a sal
e a camisa suada a secar ao sol.
Procura me, irmão, e achar me ás
(em Havana, no Porto
em Jacmel, em Xangai)
com a gente simples
que apenas para beber e conversar
enche os bares e as tabernas
junto ao mar.