Joaquim Manuel Magalhães
OBRA
 

Foi então que a democracia começou
a trazê los aos punhados para as praias.
Amarrotados nas furgonetas ou calcados
em matrículas emigrantes e essas tintas
de casas que não serviam lugar nenhum.
Trouxe os a democracia, o fascismo
tinha os feito assim. Deram lhes
a liberdade para isso, estragar o mar.


Cai para ti o meu olhar, detrás de vidros,
de porta em porta, de rio em rio
a solidão do amor nunca vai sozinha.
Que melodia é essa que não vem
a não ser dos teus ombros a par
dos meus ombros? Sou o guia
desta luz sombria do amanhecer
onde a faca das fachadas nos destrói.
O fundo da febre acorda nos teus olhos
uma história vã, esse galho de ouro
arde nos teus dedos, estrela de cinza
só a noite a via, só a noite a ouve,
um nó de sangue sem ressurreição.
O cristal quebrado nos olhos
vai adormecer na treva, naufraga.


SUMMERTIME

Olho a sua boca. Tanto
que vem o punhal da luz
levar me os olhos.
O carvão, a cinza dos
meus olhos. Os seus.

A sua boca, o sulco
onde me pergunta e eu
respondo. A morrer,
a olhar anavalhado
o seu brilho bravio.

Sons de sirenes, uivos,
estrondos, desabamentos,
ravinas donde rompe
o amor. A sua boca


Sou um espelho onde tu vês
outro vidro com a margem onde corro
tão longe que para ti caminho.

Serás sempre a largueza sem refúgio
que levo comigo.

Por ruas, por luminosos jardins
era a ti que procurava.
Tinha tudo à espera para dar te
esta escura cerce linguagem
e clara junto dos teus lábios.


Venho de uma noite voltado
para o espaço que me diz
o amor, a cidade comanda o.
Venho prisioneiro e não estás.

Começo inseguro este descordo,
o ar arde na boca que perdeu a tua.

Sou uma ausência. Um desconvidado.
Uma febre onde o futuro pára. Sorrio.