Joana Well
OBRA



Trémula...

Tenho tanto medo de ti...dessa tua doçura áspera, desses teus sussurros, que me puxam o cabelo, quando entram nos meus olhos...intimidas-me...as tuas mãos são francas e tentadoras...mas, as tuas garras, sempre de fora, extensões inseparáveis da tua personalidade, nesse eterno cerco em que vives, podem retalhar-me á mais leve carícia que me faças...E esse medo, e essa mansidão poderosa com que chegas, essa tua dimensão que enche tudo ao avançares para mim, esse porte de árvore gigante, infinitamente ramificada, inabalável, mais me submete á vontade de ti...de ser um bichinho que se enconde em ti, na pele que suavizas para roçar na minha...


Sou taça...

Sou taça...de gelado com banana...e chocolate liquido...e chantilly...devo atrever-me a contar-te o resto? Pode começar a derreter mais depressa e escorrer para todo o lado, aviso-te!!!...Esta demência que me anda a invadir...não, não foi o coração que me danificaste...foi o figado, de tantas bebedeiras existênciais, a pureza etílica que escorria do suor do teu corpo e eu tragava...esse vinho agri-doce que lançavas em mim, bebi-te demais e fiquei zonza...


Menina...menina...

Menina, menina, vem cá!- Disse o Lobo....E eu? Eu fui....e o Lobo? Papou-me! E depois? Foi-se embora...E eu? Eu chorei....Porque fugiu o lobo? Não sei, não sei...Se calhar não era um Lobo e dei-lhe uma congestão....entende-se? Diz-me um mágico que lobos só existem nas minhas fantasias...Então? E eu? Eu fui...Procurem-me...estarei no Mundo-Que-Imaginei....á procura do Lobo que não mais encontrei...entretanto...veio um Cabritinho que eu papei...e uma Porquinha que saboreei...que belo repasto preparei...mas á procura do Lobo é que eu andei, andei...e quando não fui, o Coração enviei...


Lençol

Resta a nódoa, um pequeno veio rosado,
no lençol, berra num branco imaculado
como outrora, um vermelho culpado;
que eu ainda consigo ver,
porque me lembro como era;
que eu ainda consigo cheirar,
porque me lembro como cheira;
que tu nunca mais irás tocar,
eu fiz do sulco uma fronteira;
E não, é verdade que não foste o primeiro,
talvez nem o segundo, ou sequer o terceiro;
mas, apenas tu, me desfloraste,
profano! Uma Messalina na ara,
como uma virgem que tu sangraste,
num lençol...
Resta a nódoa
Que eu ainda consigo ver…


Corpo...

Quero estar a dormir quando os teus dedos passearem na curva lateral das minhas nádegas...quero estar a dormir quando as tuas mãos se fecharem nas minhas ancas...quero estar a dormir...o meu corpo frio e os teus dedos quentes...quero acordar depois, apenas depois...depois da nossa temperatura ter igualado e ter voltado a separar-se...porque não existe realidade que traga o eterno calor da respiração e dos lábios macios a percorrerem-me a coluna...quero pensar que foi um sonho, traiçoeiro...o sonho que procuro, corpo após corpo, em que adormeço a realidade...rebolo, ostensivamente, mostro-te o sexo...descaradamente que também a censura dorme...despudor, alcoolizada da inconsequência de estar a delirar, ofereço-te os seios, puxo a tua cabeça contra eles...quero ser o pesadelo da tua vontade própria, da tua auto-estima, da tua insubmissão, quando tenho as pernas á volta das tuas costas e as subo aos teus ombros...quero ser o veneno da tua liberdade, as tuas grades aos meus gemidos, vampira da força que foge de ti...deita-te...


Armadilha...
Emprestaste-me a tua alma para eu lamber....sabias a sal...fizeste-me engolir-te...secaste-me e não emprestaste o sangue ás minhas veias...Eras uma armadilha...se te tirasse de dentro de mim, ficava sem pingo de sangue, era só o teu que circulava...Atordoaste-me com esse teu friozinho de desejo a deslizar como lingua nos mamilos, esses dois pedintes, chaves mestras que abrem as portas de todo o corpo...Sou a tua presa e preso estavas tu antes, quando fizeste do meu corpo teu cativeiro....finge que és o dono de mim, se queres...atormenta-me na tua imaginação...que dirás quando recuperar o sangue e te expulsar? Quem será então o Mestre de quem? Fica, vive-me, consome-me e verás quem é a armadilha....


Intruso...

Tu...és derrota de mim...entranhaste-te e calcificaste nos meus ossos...Eu era uma árvore e agora sou como madeira que ardeu, ressequida, negra, deformada, danificada...Quero transpirar-te, expelir-te como intruso mas o meu corpo diz que a minha doença sou eu...Quero ser hermética...e tu invades as minhas costas, percorre-las com as mãos e, quando fecho os olhos, sinto-as já no meu peito, os teus dedos transpirados a molharem-me os mamilos...humida...insana...novamente árvore...abro os ramos e tenho-te até ás veias e aos ossos...já sei que as folhas me vão voltar a cair, antes disso caí eu...


Estremeceu...

Estremeceu e abriram-se as portas do Mundo...Fazia tanto tempo que o calor a queimava, sem sombra para se proteger dessa agonia tentadora, encolheu-se na sua sombra...Agora, era o tédio que lhe escaldava a pele com bolhas de frio, gelava-lhe a vida...Gelo, só gelo, icebergs...tinha sede e delirava com cascatas, água a fluir, jactos liquidos na pele...Rendeu-se ao calor, afinal o tempo era ameno e, sem se dominar, montou e cavalgou os ponteiros do relógio, indomáveis, impassíveis...a folha ía caindo da arvore, para lá, para cá, descendo, ritmada, molhada...Estremeceu e rasgou-se para a montanha entrar nela...estremeceu e cresceu, desordenada...


Erótica

Erótica, de costas viradas para a Obscenidade, o salto do sapato colado á linha (marcada) que as separava. Fixava o olhar no sentido oposto para não ver e, aflita, ainda via melhor. Mordia os lábios. Um enorme falo, adornado por dez mãos, erguia-se, imponente, vermelhusco. Á volta dele, palpitavam, como cogumelos que se alastram pela floresta em redor da Árvore mais alta, vários outros, mais pequenos, mais rosados. Pequeninas criaturas aladas, belas e sensuais, montavam-nos, de olhos a irradiar sôfrega paixão, carícias suaves, de rostos encostados. Sentiu o beijo nas costas e virou-se, repentinamente. Gemeu, assustada, o beliscar no mamilo entumescido, a Atrevida sorria, olhava-a directamente, despudorada. Perdeu o equilíbrio (?) e despenhou-se, de costas no chão, no cenário que tentara ignorar.


Difuso...

Vens...saíste de ti para nova exploração de ti mesmo...Vens...saíste de ti e fazes-me doer...Vem...faz-me doer...Prostituiste-me a alma neste empréstimo para te encontrares...Vem...torce-me e rasga-me nessa penetração disfarçada de amor...Vens..e rasgas-me o ser a penetrares-me o corpo para penetrares a tua alma...Sou...prostituta de ti...vendi-me ás tuas palavras quentes...aço aquecido em chama da tua busca de ti mesmo...aço que arrefeceu e cortou-me, frio...Vem...que sem gestos as palavras lindas ficam vazias e sugam-me a vida para se encherem...Vens e eu morri...pontapeaste-me até ao chão, murros disfarçados de emoção que era uma mera busca que pensei ser de mim...tombaste-me e era a ti mesmo que procuravas em mim...Vens...e enterras-te em mim a enterrares-me a vida e a sede de viver...com as mãos torces e puxas-me os cabelos até ao coração...Vem...faz-me chorar agora porque te contive para tua mera introspeção..Vens....porque queres saber como é o teu cheiro misturado no meu...Misturaste-nos e eu parti-me em milhões de pedaços e não me encontro mais...sou pó de mim...Tenho que ir agora que não vens, distribuir por aí os grãos de mim a que não dás vida...


Dentro e fora...

Olha bem para mim...vê-me...agora fecha os olhos...consegues vêr-me assim? Sim? Então, agora que, estou completamente nua, perante ti, posso despir a roupa e deitar-me na tua cama....Quando te deitares ao meu lado, sabe que fiz o mesmo antes, olhei-te de olhos fechados...Abre os olhos, gosto desse teu olhar, quando, de ventre colado ao meu, sei que me vês, nua e despida...


Deixa...

Deixa que não demore muito,
até eu regressar onde moro,
engana esse tempo, depois,
deixa que, em ti, me demore...
Prende-me o cabelo, bem alto,
ao fechares-me no teu cheiro,
prisioneiro desses lençois,
até um som gemido que chore...

Levaste-me cabelos enrolados
nos dedos, de me puxares caos,
nua, os meus joelhos dobrados,
e os joelhos já não eram meus!


Cheiros

Dias líquidos e densos,
no reinado da Placenta;
a minha nua presença,
os teus olhos vestidos;
Saliva que me atenta,
até ao fundo dos ovários;
As uterinas blasfémias
arquejam, inglórias,
em indignos cenários;
Na Redoma sedenta,
flutuam teus cabelos
que me deixam cheiros:
odor dos nossos corpos,
nossas Carnais assinaturas


Carnal...

Amargas-me na boca...Tinhas a mão nos meus cabelos e fingias que não...Nem tudo foi carne...Nem tudo é carne...Nem tudo é ou foi da carne na carne...Sabes bem que foste violento nessa mansidão carnal...Sabes bem que a mansidão dos teus gestos era feroz...e assim me estilhaçaste a alma...os vidros do seu espelho cravejaram-me o corpo...e tragaste-me, em pedacinhos, depois de me rebentares ao meio e te pores em mim, dentro de mim...Abraçaste-me ternamente aos murros no meu estômago...embalaste-me docemente a pisares-me...fizeste festas, nessa ternura, nessa mansidão, a esfolares-me...Pensaste que me tinhas adormecido, no conforto dos teus braços á minha volta? Não! Não! Eu tinha desmaiado, inerte, de dor e de tanto desejar a realidade do teu delirio de amor, quando era liquido no teu peito e na minha garganta...


Amante

Imaginei-te, paixão como Setembro, o calor antes da queda das folhas. Tu falavas de interrogações, eu - silenciosamente, perguntava como seria ensinar as tuas mãos a tocar as minhas ancas - respondia-te monossílabos. Imaginei-te afogueado, trémulo, vestido como nu, tropeçavas nos dedos trôpegos de ansiedade e ignorância do sexo. Ensinava-te o sexo do amor de um só dia, devagar como a maré que enche para vazar depois, recolhia a tua insegurança com os meus dedos a passearem calmos nos teus braços, no teu pescoço, murmuro ternura e desfaço-me nela para te dissolver os receios, mergulhado no momento de mim. Daqui sais maduro, explorador eterno, dedicado à entrega, atento ao variar do suspiro da Mulher. Quero ser a professora que te ensina, somente, como se aprende e, cada vez que souberes tocar um corpo, que te lembres em que fêmea nasceste amante.


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