Egito Gonçalves
OBRA

Muda-se o tema, onde o mar começa.
A aventura é o mar ou essa forma
que se forma depois, que vai viver
na memória dos dias? De uma ilha lembro
onde o mar me levou e do conhecimento
várias portas me abriu. O oceano
começava antes, acabava depois, ali
só prosseguia, embalando-me em noites
de velame abatido, de fáceis ananases,
de alta mastreação tocada de saudade
lucilante como a esteira do luar.
Mais tarde soube que estava sem trabalho
pois não havia Índias nem de infantas
o prémio de um sorriso. Mas combates
havia para outros, torpedos e canhões
longe não andavam. Daquela guerra
eu só fingia ser. Ancorado veleiro
eu pensaria a ilha, verde como o slogan,
nela não enjoava como, sobre o mar,
me acontecia nos navios da Insulana.
Marinheiro, eu não era. O mundo antigo
vivia-se nos livros, reproduções offset
multiplicavam os atlas, alguns poetas
banhariam na Grécia os seus poemas. Eu,
estava ali, parado no tempo, onde
o mar começava e acabava, esperando
que na praça da Matriz o relógio do sono
badalasse o regresso. A minha casa
estava a oriente, ali acabaria
para mim o mar, e só quando da praia
o visse, a imaginação poderia segredar-me
que os meus pés começava e da viagem
seria excluído. Um rosto sem segredos
que as marés negras adoecem, e me acena
quando o avião desce e os motores destroçam
um mar de nuvens que se desfaz e recomeça.



Origem dos sonhos Esquecidos

Tudo vai bem, amor! Aqui estamos longe!
Aqui malogra-se a abordagem dos terrores,
ninguém descarna o sonho ou a esperança,
não há fantasmas de espingarda ao ombro,
ninguém agoniza chicoteado pelas sombras...
Aqui não há ditadores nem guilhotinam os oráculos,
ninguém encobre estrelas com areia,
não cortam com navalhas os seios das mulheres,
nem se incendeiam ghetos com corpos de crianças:
é tudo útil, simples, como um campo de trigo
- a Esfinge é um animal de pedra muito gasta.
Os poetas podem passear nas ruas; a paz
não é uma aranha sobre a terra árida.
O sono não se povoa de estátuas de ameaça,
o amor não de faz de coração crispado:
o leito do amor é a simples terra nua.


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