Boris Vian
BIOGRAFIA
 

Boris Vian, escritor, compositor, trompetista, crítico de jazz e, até mesmo, cenógrafo e actor de cinema, nasceu em 1920 em Ville d’Avray (próximo de Paris). Era o segundo de quatro irmãos e os seus pais viviam de rendas, com uma vida abastada, mas com a queda das bolsas de valores em 1929, os pais perderam a fonte de rendimentos, passando a partir dessa altura, sérias dificuldades financeiras. Em 1932 Boris Vian sofreu uma febre reumática, que lhe deixou graves sequelas no coração, e em 1935, uma febre tifóide mal curada. Os problemas cardíacos acompanharam no até o fim da vida e a doença trouxe lhe como consequências imediatas os cuidados excessivos da sua mãe (retratados em várias passagens da sua obra, com imagens de crianças criadas em gaiolas e filhos carnalmente ligados à mãe a ponto de serem simultaneamente escravos e vampiros do seu sangue) e uma ânsia enorme de aproveitar a vida, provocada pela constante ameaça de morte, que também marcaria toda a sua obra. Uma morte que não se ficava por uma realidade psicológica interna, mas também por uma realidade externa: viveu a adolescência e o período universitário durante a segunda guerra, e tinha 20 anos quando Paris foi ocupada pelas forças nazi fascistas em 1940. Todo o seu período de produção cultural decorreu durante a guerra fria e contra o absurdo da guerra, deixou vários registos como a canção "O desertor" e o conto "As formigas", que retrata o desastroso desembarque das tropas aliadas na Normandia. Estudou cultura greco latina e matemática elementar, formou se engenheiro na École Centrale, uma das prestigiosas escolas francesas de ciências exactas.
Entre 1939 e 1944, Boris Vian escreveu 105 sonetos, acrescidos de algumas baladas, que seriam publicados postumamente sob o título de "Cem Sonetos". Trata se de sua primeira obra escrita, considerada pelo próprio autor como uma obra ainda imatura.
À criação dos sonetos, seguiram se quatro volumes de poesia: "Barnum´s Digest", "Cantilenas Gelatinizadas", "Poemas Inéditos" e "Não queria partir".
Este último livro, "Não queria partir", é talvez a sua obra poética mais bem acabada. São poemas escritos quase todos por volta de 1952 que ganham em tensão e dramaticidade, onde a morte se infiltra por todos os poros, mas onde o escritor usa com destreza a sua melhor arma: o humor. Aliás, em toda a sua obra, Boris Vian associava o humor ao horror, numa espécie de comédia tragédia.
Em 1942 escreveu "Trouble dans les andains" e "Vercoquin et le plancton". Publicada em 1947, esta obra escrita numa penada para uns quantos amigos das festas surpresa por onde andava, seria a única de Boris a suscitar, em vida do autor, umas quantas recensões críticas. Tornara se na altura elemento indispensável nas festas em caves "existencialistas" de Saint Germain des Prés.
De 1942 a 1946 trabalhou como engenheiro na AFNOR Associação Francesa de Normalização e de 1946 a 1947, no Instituto do Papel. Entretanto, em 1944, seu pai foi assassinado, sem que se soubesse exactamente porquê e por quem.
Publicou os seus textos entre 1944 e 1945, sob os pseudónimos de Hugo Hachebuisson e Bison Ravi (anagrama de Boris Vian). A esses, seguiu se o seu mais famoso pseudónimo, Vernon Sullivan. Boris Vian foi responsável por um dos maiores embustes literários do século XX. Leitor assíduo e tradutor do romance negro americano (Raymond Chandler, Dashiell Hammet, Peter Cheney e James Hadley Chase), resolveu também enveredar por esse caminho. Por sugestão do amigo e pequeno editor Jean d’Halluin, apresentou se como tradutor do suposto escritor norte americano Vernon Sullivan, (que não passava dele mesmo). Sullivan foi quem selou definitivamente a fama do escritor: o livro "Vou cuspir nos seus túmulos", escrito e lançado em 1946, tornou se o best seller de 1947. Mas o teor explosivo de violência e erotismo que impregnava o romance, valeu lhe a censura do livro, manifestações à porta de casa e um processo judicial por infringir a lei dos bons costumes e da moral, o qual tramitaria ainda por três anos. Em 1950 foi condenado a pagar uma multa considerável. Mas o pior seria o abandono por parte da crítica que, depois de ter chegado a compará lo a Caldwell e a Henry Miller, deixaria de falar das suas obras. Seguiram se outros pastiches para a "Série Negra": "Les mots ont tous la même peau", "Et on tuera tous les affreux" e "Elles se rendent pas compte".
Em 1947 publicou "I'Écume des jours" (A espuma dos dias), "I’Automne à Pékin" (Outono em Pequim), uma peça, "l’Équarrissage pour tous" (O esquartejamento para todos) (um completo insucesso comercial), bem como diversas críticas de jazz, foi também neste ano contratado como animador e trompetista do Tabou.
Vian escreveu ainda dois romances importantes (l’Herbe rouge, l’Arrache coeur), uma recolha de novelas (Les Fourmis), peças de teatro (Le Goûter des généraux, Les Bâtisseurs d'empire, Le Dernier des métiers).
Ao longo de dez anos manteve na revista Jazz Hot uma notável secção. Para a Gallimard traduziu Chandler, Cain, e Van Vogt (Boris Vian foi em França, juntamente com o seu amigo Pierre Kast, um dos pioneiros da ficção científica). Assinou os librettos de duas óperas: Le Chevalier de neige, com Georges Delerue, e Fiesta, com Darius Mïhaud, e participou também em alguns filmes, trabalhando em projectos e cenários.
Entre 1945 e 1950, na "República" de Saint Germain des Prés, Vian compartilhava a mesa, (embora nem sempre as opiniões), com Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, Raymond Queneau, Prévert e Jean Genet, entre outros. Raymond Queneau, secretário geral da Gallimard, que conheceu em 1945, foi um dos principais amigos e incentivadores de Vian, tendo aberto para ele as portas do Colégio de Patafísica, um círculo de espíritos abertos que, na linha de Jarry e do seu Père Ubu, se dedicavam a rir se de tudo antes que a vida os fizesse chorar. As festas do Colégio tinham lugar no Moulin Rouge, na Pigalle, onde Boris e a bailarina Ursula Kubler, partilhavam a mesa com Jacques Prévert. Em 1952 foi nomeado Esquartejador de primeira classe do Colégio de Patafísica. Mais tarde, tornar se ia Sátrapa, posto de distinção máxima. Diante do fracasso dos seus últimos romances, Boris Vian deu a volta por cima e retomou a sua comunicação com o público através da música, compondo e apresentando se como intérprete. A título de curiosidade, são tributários de Vian nessa área, compositores como Serge Gainsbourg, Léo Ferré e Serge Regiani.
Pálido, austero, vestido de negro, provocou um segundo escândalo com "Le Déserteur". Escreveria na altura: "A minha canção não é anti militarista, mas sim, reconheço o, violentamente pró civil", quando a editora musical tentava convencê lo a modificar alguns versos: "Prévenez vos gendarmes/Que j’emponte mon arme/Et que je sais tirer" que se tornaram: "Que je n’aurai pas d'armes/Et qu'ils pourront tirer". O mesmo aconteceu com Joyeux Bouchers, onde também acabou por aceitar fazer pequenas alterações. Apesar destas situações, Vian manteve se nesta linha: Le Politique, Le Prisonnier e muitos outros títulos serviram para afirmar o seu pacifismo, mas também o seu humor cáustico, a sua sensibilidade, e a sua elegância. Muitas das canções de Vian tornaram se êxitos, e os seus 45 rotações, rapidamente se tornaram objectos de culto.
Durante 20 anos de actividade, publicou em vida mais de 40 livros, entre os quais romances, contos, peças de teatro, poemas, ensaios, além de quase 500 canções.
Assinou ainda uma dúzia de traduções de thrillers norte americanos.
Boris Vian faleceu em 1959, em Paris, com uma crise cardíaca, quando assistia, numa sessão privada, ao filme "J’irai cracher sur vos tombes" (Vou cuspir nos seus túmulos), o filme de Michel Gast feito a partir de uma versão da obra, escrita entre 5 e 15 de Agosto de 1946 e publicada sob o pseudónimo de Vernon Sullivan.