Entrevista à Truca
a propósito da edição nº 500
no "Meios & Publicidade"


"A indústria da publicidade é uma das que mais se presta a negócios escuros"

Luís Gaspar tem conciliado a actividade de locutor com a elaboração do mais antigo site português dedicado à publicidade. Na semana passada o Truca.pt assinalou 500 edições. Todos os domingos à noite as actualizações do site ficam disponíveis para o mercado. As polémicas,
como conta Luís Gaspar, não faltaram ao longo destes anos.

Meios & Publicidade (M&P): Ao fim de 500 edições do Truca conseguiu um marco que o Meios, que eu saiba, nunca conseguiu atingir: a sua leitura ser proibida em determinadas agências de publicidade. O Truca é assim
tão polémico ou o nosso mercado é que é demasiado susceptível?
Luís Gaspar (LG): Essa do Meios poder ser proibido...eu não me admiraria. Os publicitários são, de facto, de uma sensibilidade extrema. Autênticas prima donas. Ninguém lhes pode adivinhar as zonas sensíveis. A Truca e o Meios, aliás como todos os que têm de lidar com eles, sentem na pele os seus melindres. Actualmente, a proibição à entrada da Truca tem motivos mais prosaicos. Há agências onde a vida sexual é proibida durante as horas de serviço. Portanto, nada de
truca-truca. Assim, a modos como aquele tipo que não era admitido na Igreja porque se chamava Canhoto. Já houve algumas pequenas "zangas" mas não fizeram história.

M&P: Já percebi que não quer entrar em pormenores mas, olhando para estes 10 anos em que a Truca está online, qual a maior polémica em que esteve envolvido?
LG: Ora deixe ver... Houve casos de notícias sobre transferências de pessoal de umas agências para outras. Os "transferidos" diziam-me ao ouvido e os empregadores, às vezes, não gostavam. Vá lá saber-se porquê.
Talvez a coisa mais séria teve a ver com o Edson Athayde. No tempo em que o "rapaz" era para abater, atirei algumas "bocas" aos invejosos e, porque se tratava de gente importante (directores criativos e donos de
agências), pelas traseiras, vinham contar-me de ataques de fúria contra o "gajo da Truca". Engraçado que um dos seus mais acérrimos adversários, um dia, e até julgo que nas páginas do Meios, algum tempo xdepois de ele ter voltado para o Brasil, diante da bagunça no meio
gritava: "Volta Edson, estás perdoado!"

M&P: Que explicação é que encontra para que o Edson Athayde tenha sido durante tantos anos alvo dessas bocas?
LG: Quando, aqui há uma data de anos, a Young comprou a agência do Telmo Protásio - na altura creio que se chamava Team- e enviou para cá o Casarin, este trouxe consigo uma Caixa de Pandora. Abriu-a e de lá
saíram brasileiros de todos os tamanhos e feitios. Alguns trouxeram consigo o 25 de Abril da publicidade. Outros, a maioria, vinham oferecer-se por salários miseráveis exibindo currículos fabulosos mas falsos. Os bons profissionais despertaram nos indígenas a conhecida
"inveja à portuguesa". O seu sucesso na mudança profunda da profissão desesperou os gurus nacionais de então. O Edson corporizou em si essas invejas pela simples razão de que foi, de todos os brasileiros, aquele
que mais sucesso teve. Algumas das críticas feitas ao seu "Tou, xim" para a Telecel atingiram as raias da paranóia. Quer que lhe conte? Eu próprio fui "castigado" por algumas agências, como profissional da
locução, porque durante algum tempo, fui o locutor preferido do Edson Athayde. Nós, por cá, somos assim. Nada a fazer.

M&P: Perdeu muitos trabalhos por ser uma voz com uma opinião mais livre que o habitual?
LG: Por ter uma opinião "mais livre", (ou devemos dizer mais experiência?) perdi muitos trabalhos mas, creio que os que ganhei, compensaram, e muito. E não me refiro apenas ao trabalho de locutor de publicidade. Que diabo, nesta profissão há muito boa gente que detestando os ‘yes men’, procura nos parceiros com quem trabalha o que de melhor cada um tem para dar.

M&P: Arrepende-se de ter escrito alguma coisa no Truca?
LG: Não... acho que não. Quanto muito arrependo-me de não ter escrito algumas. Houve muita coisa que me chegou ao conhecimento e que dariam autênticas ‘cachas’ mas vinham acompanhadas daquela desesperante recomendação: "...mas ainda não é para anunciar". Pouco tempo depois lá vinha o Meios ou outro qualquer jornal com as parangonas. Há outra
coisa que gostaria de escrever mas a prudência aconselha...prudência.
Refiro-me a histórias "pouco limpas e mal cheirosas" de que vou tomando conhecimento. Incompetências que custam fortunas. Ai, se os accionistas xsoubessem algumas dessas histórias bem teríamos alguns tubarões da profissão a caminho do olho da rua. Para me divertir, às vezes digo, "quando me reformar" vou contar umas histórias!... Mas não vou contar coisa nenhuma. Até porque a minha reforma só está prevista para os 102
anos de idade.

M&P: Não quer contar nem uma dessas histórias?
LG: Olha, ele! (risos) Não queria mais nada? Mas agora a sério, a indústria da publicidade é uma das que mais se presta a negócios xescuros. Comissões por baixo da mesa, compra e venda de influências, "serviços especiais", lavagem de dinheiro... Nada disto é segredo.
Aliás, alguns casos, envolvendo grandes grupos internacionais têm vindo a público na imprensa portuguesa e estrangeira. Mais estrangeira, porque
por cá, dada a importância da publicidade nos meios de informação...
Ainda não há muito tempo a Scotland Yard andava a espreitar os negócios de um grande grupo (com delegações em Lisboa) que até mete lords e tudo.
A nossa Judite também já visitou uns lugares. Curiosamente nunca mais se ouviu falar das buscas, então feitas. Se calhar foi...engano.

M&P: Às vezes até é. Uma vez até liguei para a Judiciária porque corria a história que determinada pessoa tinha sido detida. Afinal não era xverdade. Bem, que pessoas é que acha que merecem ser admiradas pelo seu percurso?
LG: Oh, diabo, essa é das difíceis. Teria de definir, primeiro, as áreas a "admirar". Admiro, sobretudo, as pessoas que vi, ao longo dos 53 anos que já levo de publicitário, serem os responsáveis das grandes
mudanças na actividade. Rodrigues Faria (Ciesa NCK) e Jimmy Williamson (Lintas) são os primeiros a destacar porque fizeram a publicidade, em Portugal, sair do "vão de escada" para a profissionalização já de nível europeu. Bom, e o melhor é ficar por aqui. Ainda não me reformei e... se bem se lembra, comecei por lhe dizer que os publicitários são prima donas.

M&P: Pode explicar, para novatos como eu, que papel é que Rodrigues Faria e Jimmy Williamson tiveram na publicidade nacional?
LG: Um e outro dirigiram, pela primeira vez em Portugal, os interesses publicitários de grandes empresas mundiais. No caso do Rodrigues Faria, a Sociedade Nacional de Sabões e a Colgate/Palmolive e quanto ao
Williamson, a Unilever e a Jerónimo Martins. E como estas empresas não brincam em serviço, abriram agências com padrões de nível europeu. É evidente que, um e outro, rodearam-se do que de melhor havia nesse
tempo, ao nível de pessoal, muitos dos quais foram fazer cursos e estágios no estrangeiro. Toda a geração de dirigentes de agências dos anos 70 do século passado para cá, melhor, até aos anos 90, saíram dessas duas agências. As excepções confirmam a regra. Telmo Protásio, Silva Gomes, Raul Calado, Portela Filho, Américo Guerreiro, muitos, quase todos. Aliás, o marketing sofreu a mesma evolução. As empresas que
referi investiram, ao mesmo tempo, em publicidade e marketing. Enfim, uma longa história que não cabe nesta conversa e da qual dei, apenas, uma pobre e incompleta imagem. Estas duas agências foram as principais.
Outras existiram e que marcaram, também, as grandes viragens na nossa actividade. Estou velho!<

Rui Oliveira Marques
Director-adjunto Meios & Publicidade


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