Fernando Madrinha
no Expresso
de 09-Julho-2011


O MURRO NO ESTÔMAGO

É curioso e seria cómico, se não estivéssemos a entrar no buraco negro a - que ninguém sabe como fugir - o coro de protestos contra as agências de rating por parte de quantos, ainda há pouco, se mostravam tão complacentes com elas. Desde o Presidente da República a Manuela Ferreira Leite, passando por outros agentes políticos, incluindo os que estão agora no poder, desde banqueiros a especialistas de vários matizes, todos se atiraram à Moody's, como se o cerco das agências tivesse começado nesta quarta-feira. E como se a periclitante situação do país tivesse melhorado o bastante, só porque mudou o Governo, para ser hoje mais risonha do que antes de Passos ter chegado.

O mundo mudou nas duas últimas semanas, como diria Sócrates numa situação de aperto. Pelo menos o mundo português. E mudou tanto que os maiores defensores dos mercados financeiros são agora os críticos mais ferozes de uma das agências que os servem. Houve até um banqueiro, Faria de Oliveira, que considerou a decisão da Moody's "imoral", como se alguma vez a moral fosse, ou tivesse sido para aqui chamada.

A economia de casino e a ganância sem limites, morais ou quaisquer outros, não terminaram com a falência do Lehman Brothers, nem com a prisão de Madoff. Estão vivas e recomendam-se. Que os países pobres e os pobres desses países sejam quem, por fim, paga a factura também não é novidade.

Portugal chegou onde chegou por culpa própria - dos eleitos que definiram políticas erradas, dos banqueiros que se aproveitaram delas, quando não as estimularam, dos empresários que, com a colaboração empenhada de vários governos, exploraram o Estado até ao tutano, da ignorância e da ilusão de cada um de nós, que nos levaram a acreditar que a prosperidade, ainda que relativa, tinha vindo para ficar. Mas também chegámos onde chegámos porque a máquina do mundo está nas mãos das Moody's, de poderes que manobram na sombra, como observava por estes dias Maria de Belém Roseira, e nenhum país, só por si, tem condições para lhes fazer frente.

A safadeza da Moody's é mais cruel porque nos apanha num momento em que, para não deixar morrer a esperança — e porque não se vê alternativa —, muitos ainda admitem que, só por si, os sacrifícios vão servir para alguma coisa. E quando o novo Governo acaba de dar fortes sinais de compromisso com o plano de recuperação. Mas a Moody's não atacou só o nosso país: chamou estúpidos à UE, ao banco central e ao FMI que, conhecendo as contas portuguesas, se dispuseram a em-prestar-nos dinheiro e tencionam recebê-lo com juros. Talvez por isso tenham reagido desta vez.

A resposta destas entidades e o desprezo a que o BCE votou a notação para a dívida portuguesa são sinais positivos, ainda que apenas sinais. E o facto de a moeda única ter voltado a subir face ao dólar logo depois de o BCE ter ignorado a Moody's demonstra que não é por falta de poder que a UE não defende o euro com mais determinação, mas por falta de vontade política. Se o "murro no estômago" que Portugal sofreu esta semana tiver servido para que a UE venha a fazer prova dessa vontade, algo de muito importante se pode ter ganho. De outro modo, é já evidente que levaremos mais murros no estômago, que trilharemos o caminho da Grécia e que outros acabarão por seguir o nosso.



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