"Os Trintões"
Textos de Edson Athayde
Publicados no DNA

 


Uma questão
de tempo

E SE VOCE SOUBESSE QUE TERIA APENAS MAIS UM ano de vida? Ou seis meses? Ou uma semana? Ou dez anos? Como vê, não importa o valor da cifra, o que assusta é saber um tempo exacto de vida.
Tempo exacto de vida. Mas serei um pouco inexacto (para manter a coerência): foram sete meses e uns trocados, o tempo em que escrevi aqui sobre a geração dos trintas. Passou rápido. Passou mais depressa do que poderia imaginar. Não sei o que você fez e viveu nesse tempo. Eu fiz o possível para não estar parado. Aliás, a vida não passa de um exercício dinâmico de fisica: o nosso destino (aquele que traçamos) é uma equação inconstante cheia de variáveis como o tempo, a velocidade e a temperatura dos nossos humores. Ë por isso que nem sempre ir mais rápido significa chegar mais longe.
Mais longe. Toda gente quer ir mais longe, a maioria sem sair do lugar. Essa é a grande contradição dos que conseguiram ultrapassar mais ou menos ilesos a barreira dos trinta. Olho para o lado e o que mais vejo é isso: insatisfeitos encartados, crises existênciais encomendadas por catálogo, mágoas, depressões e revoltas compradas num pronto a vestir. Vamos falar a verdade, nessa altura do campeonato sabemos perfeitamente que pouco ou nada vai mudar na humanidade se mudarmos a nós mesmos. O mundo está se perfeitamente nas tintas para as nossas mazelas interiores. O máximo dos máximos que podemos fazer para melhorar o mundo em geral e a sociedade como um todo é parar de fumar e beber um pouco menos. Pode não parecer muito, mas iremos provocar menos cancros involuntários em quem convive connosco além de não sermos inconvenientes no aniversário da tia ou na festa de fim de ano da empresa. Quanto ao resto, aconselho a seguir a técnica das nossas mães, quando somos miúdos e começamos a chorar de birra: engole o choro ou ainda apanha (no caso, da vida) de verdade para ver o que é chorar com gosto. Não quero parecer demasiado exigente (nem sou um exemplo de grandeza a seguir), apenas gostaria de deixar aqui a constatação: se todos os trintões revoltados voassem, jamais veríamos o Sol.
O Sol. Até onde vejo da janela do meu escritório, continua a nascer todos os dias. E nem a SIC ou a TV! se lembraram ainda de avisar que a partir de amanhã não vai mais ser bem assim. Então o jeito é seguir em frente. Connosco ou sem nosco o planeta teima em girar e a vida tende a seguir. Podemos ir junto mais leves ou ficar para trás por causa do peso dos fardos do passado que insistimos em carregar. Daí que me lembro de um poema que circula pelo mundo desde o tempo em que não havia internet e a divulgação de textos esotéricos em geral e de orações de santos obscuros em especifico era feita através do correio. O texto foi um dia atribuído erradamente ao escritor argentino Jorge Luis Borges. Muito anos depois o equívoco foi mais ou menos desfeito. Mas até hoje há quem pense que o poema é de Borges. Eu sei que não é mas preferia que fosse. O texto é o seguinte:


"Se pudesse vi ver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido,
na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiénico.
Correria mais riscos, viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres,
subiria mais montanhas, nadaria mais rios.
Iria a lugares onde nunca fui,
tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata
e produtivamente cada minuto da
sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver,
trataria de ter somente bons momentos.
Porque, se não sabem, disso é feita a vida,
só de momentos,
não perca o de agora.
Eu era um desses que nunca ia a parte
alguma sem um termómetro,
uma bolsa de água quente,
um guarda chuva
e um pára quedas;
se voltasse a viver, viajaria mais leve.
Se eu pudesse voltar a vive,
começaria a andar descalço
no começo da primavera
e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua.
Contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
Se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, já viram, tenho 85 anos
e sei que estou morrendo.»

Então é isso: um abraço para os trintões e quem mais caiu aqui nessa secção mesmo que tivessem outras idades. Continuarei no DNA (agora às Sextas) a falar sobre a vida e o dia a dia. Espero contar sempre com todos vocês meus (três) leitores.
Ou como diria o meu Tio Olavo: «Não adianta reclamar
Viver faz mal à saúde, envelhece, cria rugas, dá reumatismo, ataca os rins, o fígado e o coração. Mas a única cura possível (a morte) ainda carece de mais testes para ser recomendada pelos médicos.» •

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"Arte" A peça

REVER «ARTE» (PEÇA DE YASMINA REZA, RECENTEmente encenada no Teatro \/illaret, em Lisboa) é como rever velhos amigos. Há já alguns anos que tropeço nessa peça e sempre que há o reencontro saio satisfeito e com vontade de regressar ao seu texto (e subtextos) dali a alguns anos. Vi «Arte» por duas vezes em Londres (com elencos diferentes) e duas vezes aqui em Portugal (sempre com os geniais José Pedro Gomes, António Feio e Miguel Guilherme). Não que «Arte» seja uma espécie de Shakespeare ressuscitado. Pelo contrário, «Arte» é unia daquelas comédias melodramáticas que tentam recuperar o naturalismo das coisas do dia a dia.

O que me encanta nessa peça é a maneira hábil de representar, a partir de três personagens, as diferentes faces de uma mesma pessoa. Temos o Mário, o Sérgio e o Ivo. O Mário é um daqueles tipos irascíveis, autoritários, sem papas na lingua, que prefere perde amigo a perder um comentário corrosivo, O Sérgio é um daqueles falsos humildes, olham o mundo de cima para baixo, um dandy que se pretende bonzinho como uma Madre Teresa de Calcutá que fosse ao Lux. O Ivo é o bobo da corte, o palerma útil, o saco de pancada sem o qual nenhum grupinho social consegue sobreviver. Na peça estão reunidos numa aparente infinita discussão sobre o que é a arte em geral e sobre o valor de um quadro branco com riscas brancas em específico. Falei aparente porque na verdade os verdadeiros temas são o que é a amizade e as diferenças sobre como vemos o mundo e como somos vistos por ele.

Escusado será dizer que os personagens vivem, cada um à sua maneira, a crise da meia idade. Estão todos cansados do que já foram e procuram novas maneiras de se relacionar com o outro. Claro está que essa ansiedade em mudar, recolocar as coisas, reposicionar se a si e ao alheio, só gera dissabores e confusões, E é aí que reside o verdadeiro eixo da peça: ninguém está 100% satisfeito com os outros e consigo mesmo. Ninguém sabe ao certo o que fazer com a vida. Ninguém alcança um tal momento de estabilidade e confiança a ponto de não precisar da opinião alheia.

Vale a pena ver «Arte». Vale a pena rever «Arte». No meu caso, por exemplo, acho incrível como a cada visionamento me desloquei de personagem. Na primeira vez só consegui identificar me com o parvalhão do Ivo, na sua eter missão de agarrar se às amizades com cuspo, de levar na cabeça forte e feio por não conseguir viver sem o amor externo (mesmo que ele não seja demonstrado fisica e verbalmente). Em outro visionamento, acreditei me Sérgio, o que é curioso, pois naquele momento não consegui ver os defeitos intrínsecos do personagem, colando me só às suas qualidades (alguma ponderação, uma tendência exarcebada para racionalizar as coisas). Doutra vez, fiquei me pelo Mário e a sua impaciência com o ser humano. Desta última vez, naveguei pelos três personagens, achando pedaços de mim aqui e acolá, aceitando com algum estoicismo que não passo de um boneco de pano feito de retalhos contraditórios e extemporâneos.

Daí, repito, que vale a pena ver «Arte». Que vale a pena rever «Arte». Tenho a certeza que você vai sair do teatro um bocadinho melhor do que lá entrou. •


PS: Tudo que começa tem que terminar. Esta secção, por exemplo, está a entrar na sua recta final. Ainda não é hoje que acaba mas falta pouco. A notícia tende a ser boa. Por melhor que seja um assunto, bater demasiado na mesma tecla tende a cansar. E a vida dos homens de trinta e tantos não sendo o tema menos interessante do mundo (a sexualidade dos protozoários ou o que fizer com a RTP, só para citar dois assuntos mais aborrecidos) também não é dos mais excitantes.

Confesso que nunca tinha pensado na coisa por esse prisma.
Mal ou bem, é a primeira vez que vivo como um trintão (e o meu Tio Olavo avisa que também será a última) e tinha a ilusão de que a coisa poderia ser mais divertida. Não é. Ou, pelo menos, não é mais do que foi a infância ou a adolescência. Há mais dinheiro para se fazer as coisas. Mas há menos tempo, menos disposição, menos alegria em fazê las. E, essa é que é essa, nós (os homens) temos tanta abertura para debater os nossos problemas como a cabeça de uma agulha.

Prova disso foi a imensa quantidade de e mails que recebi a comentar as minhas crónicas nos últimos meses. Eram 99% de mulheres. Curiosamente, via de regra, concordavam, com os meus pontos de vista ou, no mínimo, achavam que eram um ponto de partida para se pensar ou repensar qualquer coisa. Como sabemos, os homens pouco pensam e jamais repensam o que quer que seja. Daí que seja natural que também não me escrevam e mails nem que seja para me chamar de estúpido, louco, incompetente ou mariquinhas.

Nunca tive a intenção de ser científico na minhas conclusões. O perfil dos trintões que tracei aqui nestas páginas referia se à minha experiência de vida e à dos que convivem comigo no meu grupo social (com alguma literatura, alguns artigos de jornais e revistas e alguns filmes à mistura). Fora nos momentos em que escrevi assumidamente ficção, tudo o que aqui foi dito corresponde à mais pura verdade. A maioria dos personagens existe e anda por aí. Claro que havia algumas coisas autobiográficas.
Porém menos do que se imagina. Sorry, a minha vida não é assim tão interessante.
Mas fica aqui o desafio: gostaria de ter a vossa opinião sobre os trintões em geral e sobre vocês em específico. Escrevam para cá e mails (para o eathaydes@hotmail.com). Gostaria de abrir espaço para todos os meus (três) leitores poderem dizer de própria justiça o que pensam e sentem sobre a geração dos trinta e tantos.

Fico portanto a aguardar. Mas sejam rápidos. Como já disse, isso aqui não vai durar para sempre.

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Meia idadismo

MUITOS LEITORES ENVIAM ME E MAILS A PERguntar onde começa a meia idade. Isso porque a simples comemoração do trigésimo aniversário (como se fazer 30 anos fosse motivo de festa) não é o suficiente para determinar o meia idadismo. Ë natural. Até há 300 anos, ter 20 anos (quando quase ninguém chegava aos 40) era uma idade bastante madura. Hoje em dia, pelo que eu vejo na novelinha da TV! «Morangos com Açúcar» ou na «New Wave» da SIC, aos 20 anos ainda se está a aprender a falar a anda a comer com talheres e a pensar e respirar ao mesmo tempo (a maioria, infelizmente, não consegue). Logo, a meia idade começa mais ou menos quando uma série de factores reunidos fazem com que o cidadão (ou a cidadã) se sinta o portador de uma carcaça mal gerida.
Para facilitar o auto reconhecimento do seu meia idadismo, reuni uma série de indicações (com a preciosa ajuda de uma vasta pesquisa na internet) que permite que você descubra se está naquele ponto da estrada em que ainda não vê o fim da linha mas que já não dá para voltar para trás. Portanto, você é uma pessoa de meia idade quando:

Em vez de ir escondido dos pais ao concerto dos Rolling Stones, passa primeiro na casa deles para deixar as crianças
A ressaca de sexta feira prolonga se até segunda de manhã
Homem: presta mais atenção a uma mulher quando ela fala, do que quando anda
Mulher consegue se divertir mais ao lado de um homem do que debaixo dele
Fica a tentar compreender as letras das músicas que tocam no rádio
Não dá atenção quando alguém jovem e atraente o trata por Tio ou Tia
Só consegue dançar o «Asereje» escondido no quarto em frente ao espelho
Não recebe convite para nenhum casamento há muitos anos e, quando ele chega, é da filha de um dos seus amigos, aquela que há pouco tempo você foi no aniversário e deu uma boneca de presente
Acha a Madonna uma miúda espevitada
Ainda usa a palavra «espevitada»
Acha que silicone é coisa de travesti
Fica emocionado quando ouve uma música dos Xutos e Pontapés ou dos GNR
Lembra de quando á Manuela Moura Guedes era cantora
Sabe que a Ana Maria Lucas já foi Miss
Pior que isso: sabe o que é uma Miss
A maioria de seus CD's foi comprada com os jornais
Consegue passar horas na cama com a sua parceira só a conversar
Relê os dássicos e descobre que eles não eram tão chatos assim
A maioria dos telefonemas que recebe em casa são para os seus filhos
Tem mais cabelos na toalha do que na cabeça
Já não presta atenção às próprias celulites e varizes
Ainda tem dúvidas se o Michael Jackson é gay
Troca a cerveja por um bom vinho
Dá preferência aos vinhos tintos por causa dos flavonóides
E o pior sabe o que são os tais flavonóides
Adora ouvir os Trovante
Chegou a ter um sonho erótico com uma hospedeira da TAP
Assistiu à chegada do homem à Lua
Ainda tem dúvidas sobre se o homem realmente chegou à Lua
Comprou ou ganhou de aniversário um Longa Duração da Madalena Iglésias
Terrível: sabe o que é um Longa Duração e quem é Madalena Iglésias
Já fez sexo sem camisinha sem ter medo de apanhar SIDA
Assistiu a pelo menos um programa do Vasco Granja
Participou num debate a discutir se «Vila Faia» era ou não melhor do que «Passerele»
Mostra álbuns de fotografias às visitas
Acreditou que a Teresa Guilherme era noiva do Goucha
Ouvia músicas sacras na «Semana Santa»
Pior Não comia came na sexta feira da Paixão
Para as mulheres: a única maneira deilguém pedir para você fazer um topless é quando vai fazer uma mamografia
Para os homens: a memória começa a ir embora e a única coisa que ainda consegue reter com facilidade é água.

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Perdas & Ganhos

EU PERCO TUDO, EU PERCO TUDO, VEJAM VOCÊS.
Bolsas, carteiras, mochilas. Jornais, livros, revistas. Relógios, pulseiras, anéis (e um dia, vão se os dedos). A impressão que eu tenho é que sou feito de manteiga: os objectos desgrudam se de mim, escorregam pelas mesas, fogem para o chão, somem sem deixar vestígios e nunca mais telefonam, nem mandam recados, nem escrevem e mails. Talvez por isso, nunca tenha dado muito valor às coisas fisicas, às ditas coisas materiais, incluindo aí (pasmem!) o dinheiro. Nem mesmo a cargos, títulos, epítetos dou alguma relevância. Que diferença faz se me tratam ou não por doutor, tendo em vista que não sou médico e não atendo por consulta? Já fui presidente de meia dúzia de empresas. E daí? O único presidente que realmente importa é o do país (e mesmo assim, há quem ache que nem isso). Tenho a mania de achar que nada que interessa é importante. Como o que importa raramente interessa. O problema é que pouca gente pensa o mesmo.
Na geração dos trinta e muitos a coisa então pia bem mais fino. Fomos criados a acreditar que na ausência de valores (os anos 80 são profícuos nisso) tudo o que fosse sinal exterior de importância era a coisa mais sagrada da vida. Somos os filhos do vazio, os primos do vácuo, os irmãos da nulidade absoluta em termos de sonhos e ideais. Crescemos a ver desmoronar a geração hippie e a sua cantilena de paz e amor. O nosso Vietname aconteceu ali no Amoreiras, numa liquidação qualquer da Massimo Dutti.
Disseram nos para crescer, facturar e multiplicar. Foi o que fizemos. E deu no que deu.
Penso nisso ao ver a geração pop idol que nos cerca. Toda a gente atrás de uns segundinhos de fama (afinal, Andy Warhol pecou por excesso). Seja em programas de TV onde tomam duches públicos ou onde podem ser enxovalhados por cantarem mal ou em blogs onde o único objectivo é fàlar mal contra o sistema (típica reacção de nerds quando se sentem excluídos), o que importa é aparecer, ocupar espaço, tomar se um elemento vivo dos media.
Não sou sociólogo. Mas parece me óbvio que determinados movimentos sociais só podem ser devidamente medidos e analisados a posteriori. O que está a acontecer um pouco por toda parte do planeta só será percebido com dareza daqui a alguns anos. Mas fica a nota: está se a criar a noção de que é possível competir em tudo e sempre achar um vitorioso (seja na TV, na justiça, na política, nos negócios, enfim, na vida). Alguém tem sempre que ganhar. E esse alguém, no limite da ilusão, posso ser eu, pode ser você. Mas eu sei que não é bem assim. Eu perco tudo, eu perco tudo, vejam vocês. Sendo que dessa vez acredito que não ganhar não é a mesma coisa que perder.
Por falar em perdas. Lembro me de um conto que escrevi há alguns anos e que falava sobre quem perde a coisa mais importante de todas: o tempo. O conto era mais ou menos assim:
Olegário passou a vida a perder tempo. Uma vez, quando pequeno, perdeu duas horas na escola e nunca mais as encontrou. E eram horas boas, como só as horas das crianças costumam ser, horas em que podia comer chocolates ou dar beijinhos na primeira namorada. Olegário perdeu tempo com o primeiro e o segundo casamentos. As esposas nem eram má pessoas, eram apenas as pessoas erradas. Olegário perdeu tempo na faculdade de engenharia, quando na verdade queria era ser actor ou futebolista.
A principio, Olegário irritava se com o tempo que perdia. Depois acostumou se, até porque preocupar se demasiado com o assunto só o iria fazer perder mais tempo.
Um dia, urn homem bateu na porta do Olegário. Ele atendeu:
Pois não.
Peço desculpas, senhor Olegário, mas trabalho na secção de perdidos e achados da câmara municipal. Não é habitual fazer esse tipo de visita, mas achei que deveria vir devolver algumas coisas que perdeu.
Não me recordo de ter perdido nada.
Pois perdeu, sim senhor. Olhe aqui nesse saco. Esses quarenta e cinco minutos não são seus?
Deixa me ver...sim, sim parece que são meus. Perdi os na semana passada, num táxi. Houve um engarrafamento na Baixa e acabei por perder quase uma hora naquilo. Como é que os encontraram?
O senhor deixou os no banco do carro. Foi o taxista que os devolveu. Mas há mais, há muito tempo mais de onde veio esse. O senhor deveria tomar mais cuidado. Às vezes, ponho me a arrumar a repartição e fico triste de ver tanto tempo que o senhor perdeu. Espero não estar a ser inconveniente, mas sempre me emociono quando vejo os anos em que não pôde conviver com os seus filhos do primeiro casamento.
Sim, foram anos perdidos. Agora eles já cresceram e não querem perder tempo comigo.
Bem, fique com esse saco e passe lá no escritório quando quiser apanhar o resto. Passe bem.
Olegário fechou a porta e pôs se a olhar para dentro do saco. Reconheceu alguns momentos da sua vida que pensava perdidos para sempre. Minutos passados a fazer palavras cruzadas, dias consumidos a reparar danos provocados por decisões erradas, momentos desperdiçados a viver o que os outros disseram que ele tinha que fazer e que não eram o que desejava ter feito.
Olegário não sabia se ria ou chorava. Olegário não sabia o que fazer com o tempo que recuperara. Foi quando viu as tais duas horas que havia perdido na escola quando criança. Apanhou as e percebeu que ainda estavam intactas. Decidiu usá las. E, por duas horas, Olegário teve outra vez sete anos. Brincou com amigos imaginários, comeu todas as bolachas que havia no armário, rabiscou palhacinhos vermelhos na parede da sala. Depois, apanhou uma toalha na casa de banho, amarrou a ao pescoço e imaginou ser o Super Homem. Vestido assim, subiu no alpendre da varanda do apartamento, que ficava no décimo andar. No exacto momento em que estava preparado para pular e voar, as suas duas horas infantis acabaram. Olegário voltou à realidade e percebeu o que esteve prestes a fazer. Pensou um pouco e decidiu fazer o que tinha de ser. Sem mais perda de tempo..

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Workaholics

DIZEM QUE O PRINCIPAL PROBLEMA DOS ALcoólicos é não admitir a sua condição enquanto doentes. De resto, é o que se passa com os viciados em geral. Mas, de todos, há urna espécie de vício ou compulsão que considero pior que as outras, até porque é sobrevalorizada pela sociedade ocidental. E o vício no trabalho.
Falo disso com conhecimento de causa. Passei boa parte da minha vida a trabalhar como um condenado e a achar que isso não só era normal como o melhor que poderia fazer da minha existência e o meu grande contributo para a humanidade em geral.

A geração dos trinta e tantos corre como um todo esse risco. Fomos criados num ambiente cada vez mais consumista e competitivo, num mundo incrivelmente instável e sem valores filosóficos/sociais (ah, como era boa a vida dos hippies!). Aprendemos, principalmente os homens, que devemos batalhar pelo nosso espaço à conta de muita labuta, ganhando o croissant nosso de cada dia com muito sangue, suor e lágrimas.
Hoje vejo o quanto me enganei achando que estava a fazer a coisa certa. Não estava. Estava a jogar no trabalho a maior parte da energia que tinha (e era muita) para não ter que me preocupar com variadas outras coisas que, achava, poderiam ou deveriam ser adiadas.

O certo é que é facílimo cair nessa armadilha. Diferente do viciado em coca que gasta todo o dinheiro na droga e é expulso de casa, o viciado em trabalho, via de regra, faz cada vez mais dinheiro e tem casas cada vez maiores. O viciado comum desgraça se mais cedo ou mais tarde. O viciado em trabalho é quase sempre um símbolo de sucesso, um super homem a imitar ou, pelo menos, reverenciar. O viciado comum destrói a família. O viciado em trabalho ou não compõe uma família ou é o patrono de uma família extremamente disfuncional onde há um défice frequente de afectos.

A questão da família é interessante. Passei anos a justificar não ter arranjado esposa, filhos e papagaio por não ter tempo a perder, por estar a trabalhar. Mentira. Na verdade, nunca quis ter família alguma, só não sabia disso. O viciado em trabalho mente para os outros com o mesmo à vontade que mente para si mesmo. No fundo, matava me a trabalhar com a satisfação de (não) saber que estava a matar a minha própria pessoa (pessoa essa que não estava denitro dos meus altos padrões de exigência, muito menos nos dos meus pares).

Tudo isso funcionou até que um dia a máquina quase pifou. O que, de resto, é um típico fenómeno de quem chega à meia idade. O nosso corpo e, principalmente, a nossa mente já não correspondem ao esforço exigido. Vemos à nossa volta uma quantidade imensa de folgados que parecem mais felizes do que nós. Estamos cheios de projectos, mas também de saco cheio de tudo o que fazemos. Muitos entram em depressão. Alguns simplesmente morrem de um ataque de coração. Outros refugiam se no álcool ou na coca. Poucos (esse, graças a Deus, é o meu caso) pedem para o mundo parar porque querem descer.

Pensa que é fácil? Não é. Se tem mulher e filhos, está mais ou menos tramado. Dependendo de quem são, pode ser que prefiram receber o valor da sua apólice de seguro de vida a ter um pai/marido doidão. Mas, daro, também pode ser que sejam eles a justa tábua de salvação, oferecendo apoio, carinho e compreensão.

No meu caso, na ausência dessa base familiar, tive um pouco das duas coisas. Houve quem não se conformasse com a minha decisão de viver a minha vida de uma maneira mais equilibrada, abrindo espaço para a diversão e o cuidado com o corpo. Esses sentiram se traídos, como se tivessem sido enganados, na prática pouco se importando se, como era cada vez mais óbvio, eu não passasse de urn doente terminal com pouco tempo de vida. Nesse grupo também se integram os parasitas em geral, aqueles que vivem do seu esforço e que vêem a vida negra quando percebem que a sua principal fonte de recursos está prestes a secar.

Também houve o contrário, um conjunto imenso de pessoas que ficaram felizes por me ver a acreditar que a vida era mais do que um índice maluco de produtividade. Mas, mais importante do que isso, ainda havia eu mesmo, o que eu sentia, a minha opinião finalmente era importante e a que deveria dar prioridade em ouvir.
É aquela velha história: nós não somos o que fazemos. Somos qualquer outra coisa (mais interessante e mais bonita) do que os actos e os objectos que produzimos.
Se tem dúvidas se é viciado em trabalho, pode ter a certeza: você é. Nem precisa ir ao analista. Nem precisa fazer aqueles testes que aparecem em livros de gestão. E outra coisa: você é infeliz. Não adianta dizer que não. Não adianta se disser que não. Não vale nada a sua foto a sorrir na capa da revista. É fugaz o prazer que sente ao ser nomeado o homem do ano, da década, do século. É um absurdo acreditar que urn BMW zero quilómetros, equipado com uma boazona amante espanhola, vai resolver as suas ansiedades reais, os seus medos reais, a sua solidão para lá de real.

Se acha que ser viciado em trabalho é uma boa coisa, parabéns. Ou melhor, os meus pêsames. Prometo que se não der praia no dia do seu funeral, dou uma passada por lá. Se não se incomodar, vou levar um pessoal divertido, uma viola e muita cerveja para animar o lugar. E que velório de viciado em trabalho costuma ser muito chato. Quem morre de trabalhar tem sempre poucos amigos, uma família sem viço nem brilho e uma tendência para, mesmo morto, estar no caixão a se arrepender e a chorar.

Ou como diria o meu Tio Olavo: «Se o trabalho fosse essa maravilha que andam para aí a dizer, os nobres, os ricos e os politicos seriam os primeiros a quererem ficar com ele»..

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Encontros e despedidas

«MANDE NOTICIAS DO MUNDO DE LÁ
Diz quem fica
Me dê um abraço venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tern gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai querer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar, é a vida.»

A letra da música acima é de Milton Nascimento e faz parte do alinhamento do primeiro CD de Maria Rita. Mas, quem é, pergunta o simpático leitor, Maria Rita? Que importância tem ou terá esse nome composto, cheios de «is» de «as», para a sua vida?
Ouvir Maria Rita é reencontrar Elis Regina (depois de uma longa e aparentemente infinita despedida). Maria Rita é a filha de Elis até há pouco tempo praticamente desconhecida. Ela viveu sempre nos EUA e ninguém sabia (nem a própria) dos seus dotes de cantora. Até que alguns meses atrás decidiu voltar para o Brasil, soltar a voz e gravar um disco. Deu no que deu. Elis renasceu.
Ouso abordar o assunto tendo presente que Elis Regina foi um nome marcante enquanto cantora da lingua portuguesa e (apesar de brasileira) bastante conhecida aqui no burgo (principalmente pela geração dos trintões, público de referência desta secção).
Mas voltemos à Maria Rita. Noutros casos seria injusto comparar mãe e filha. Mas nesse caso... O timbre da voz é praticamente idêntico. A atitude, o rosto, os gestos, tudo remete ao DNA materno. E que DNA!
Que eu saiba, o disco de Maria Rita ainda não está à venda em Portugal. Mas você pode ouvir algumas músicas e assistir a algumas apresentações dela através da internet (www.globo.com é preciso dicar no link GloboMediacenter e pesquisar o nome Maria Rita). E como eu não sou crítico musical, fico por aqui na minha análise sobre a qualidade do trabalho dessa jovem cantora. Interessa me no caso é ,o tal sentimento de reencontro com o impossível, a sensação de, através da arte, rever uma pessoa já desaparecida. Não é um renascimento, não é uma ressurreição. .
Duas vidas... Duas vidas.. Quantas vidas uma pessoa pode ter? A coisa não me saía da cabeça quando tropecei numa entrevista do cantor Manu Chao. Ele dizia que teria, se pudesse, várias vida ao mesmo tempo. Uma vida na França, outra no Senegal, outra em Cuba, e assim por diante. Em todas as vidas ele seria o mesmo, só que aproveitando todos os factos do dia a dia de maneira diferente.
A ideia é boa, não importa se impossível de realizar. Eu, como imigrante que sou, sei bem o que é isso. Há quase 12 anos deixei para trás uma vida no Brasil para vir viver aqui outra. Mesmo por lá já havia passado cinco anos a andar de um lado para outro, de um estado para outro, nunca fincando raízes em parte alguma, trabalhando seis meses aqui para passear seis meses acolá. Era urna vida episódica, como numa daquelas novelas intermináveis da TVI, onde estavam sempre a mudar os cenários, os personagens, as tramas secundárias, mantendo apenas no ar o (eu) personagem principal. Independente do quão divertido foi esse período, o meu psicanalista bem sabe as sequelas que deixou. Por pouco não fiquei baralhado das ideias a ponto de não saber exactamente quem eu era ou o que sou. Adiante.
Não ter várias vidas para viver implica fazer opções. Não dá para ser juiz de linha e futebolista ao mesmo tempo. Não dá para ser padre de dia e cantor num bordel à noite. Não dá para ser dono de circo e o inventor da fórmula mágica que faz crescer os anões.
A maior parte das pessoas não pensa muito no assunto. Vivem o que têm de viver e pronto. Porém, sou do time dos inconformados, faço parte do coro dos descontentes. Procuro pensar sempre na vida que tenho e naquela que poderia ter. Quando não estou feliz com o que vejo, mudo o ponto de vista, olho por outras janelas, troco o que tem que ser. Como acho que você também poderia fazer.
Aproveito me da ideia do Manu Chao para me imaginar um dia chegando numa estação de comboios no Rio de Janeiro e esbarrando na plataforma comigo mesmo. Eu e eu somos os mesmos, sendo que muito diferentes. Um nunca saiu do Brasil, o outro veio. Um viveu o que o outro sonhou, reciprocamente. Vivemos o que o destino nos reservou, sentindo a eterna dúvida daquilo que poderia ter sido se lá atrás a opção de ficar ou partir tivesse sido outra. Olhamos bem nos olhos um do outro e abraçamo nos. Daí seguimos para um bar para pôr a conversa em dia. Sabendo que esse breve encontro é apenas o reflexo de uma longa despedida.

Ou como diria o meu Tio Olavo: «O destino é o acaso com uma certa mania de grandeza»..

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Metrosexuais

OS HOMENS NÃO ESTÃO BONS DA CABEÇA. OU agora é que estão bons e antes é que não estavam. O certo é que pululam por todos os lados artigos, teses, estudos, pesquisas que tentam provar (e provam) que o homem já não é o que era.
Há algumas semanas comentei urna reportagem publicada na revista brasileira Veja que afirmava que os homens ficam melhores (mais sensíveis, mais comunicadores, mas tranquilos) depois dos 30. E eis que a mesma Veja voltou pouco tempo depois a dar honras de capa a um mega artigo sobre a revolução que está a acontecer no âmbito da masculinidade. A revista apresenta nos o «metrossexual», um novo tipo de homem que procura a aproximação de territórios até hoje só habitados pelas mulheres e, vá lá, pelos homossexuais. O «metrossexual» é um conceito criado pelo crítico cultural americano Mark Simpson e que serve para descrever «o heterossexual moderno e urbano, um tipo tão ou mais vaidoso que as mulheres, que frequenta boutiques, usa cremes e loções para a pele, é refinado na cozinha e não se sente por fora numa conversa sobre decoração de ambientes».

Vamos ser sinceros, há 20 anos era impensável algumas coisas que os homens fazem agora. Eu mesmo arriscaria levar urna tareia do meu pai por muitas das coisas que penso, digo e faço no meu dia a dia. Está totalmente fora de moda ser machista ou machão. Fulano que não cuidar da aparência e não demonstrar um mínimo de sensibilidade está fadado a morrer solteiro ou descarregar as suas energias sexuais em casas de alterne. Ou com mulheres feias e sem homem, o que é um castigo ainda pior. As mulheres que interessam estão atrás de homens interessantes. David Beckham é o símbolo máximo dessa categoria. Bonitinho de nascença, mesmo assim não pára de demonstrar que é tarado por penteados, roupas de grife e acessórios em geral. Tudo bem que não é necessário usar a roupa interior da mulher, nesse caso o menino Beckham exagerou. Mas o modelo a seguir é esse, goste você ou não da coisa.
A coisa. Bem, a coisa também não é assim tão simples. Além da aparência é preciso também moldar a atitude. Há que se gostar de tarefas femininas como cuidar dos filhos, cozinhar, fazer comprinhas no shopping. Chorar ao ver um filme romântico também ajuda. Dar saltinhos no ar, batendo as palminhas e a dar gritinhos cada vez que o Benfica marca um golo já pode ser considerado um exagero.
Outro dia perguntaram ao Schwarzenegger se ele era «metrossexual». O matulão não entendeu a questão e ficou um bocado desorientado. Depois que percebeu do que se tratava, desconversou, mas claro está que até o nosso bom e velho exterminador do futuro enquadra se perfeitamente na categoria. Nessa hora o Jonh Wayne revirou se no túmulo.
As mulheres estão a ficar assustadas. Depois de passarem o último século a procurar a igualdade de direitos e a tomarem se cada vez mais «masculinas», deparam se agora com os homens a infiltrarem se (felizes da vida) nos seus antigos espaços. A questão é: se os espaços não eram bons, por que é que eles estão a fazer tanta questão de ocupá los?
Olho em volta e vejo os sinais aparentes de «feminilidade» entre todos os meus amigos. A coisa vai desde os descasados que não têm muito pudor em admitir, que foram chutados pelas ex esposas (antigamente tal coisa era motivo até de crimes passionais) até aos que não podem ir ao futebol pois têm uma sessão marcada no cabeleireiro. Outro dia, durante um jantar, onde um amigo meu fazia unia grande análise sobre a última edição da Wallpaper, o tipo foi interrompido pela mulher que, estupefacta com o interesse do rapaz pelas últimas tendêndas da decoração de interiores, perguntou com ar indignada ao marido: fulano, tu és gay?
Não, não era. Mas está cada'vez mais dificil ver a fronteira entre um determinado comportamento e outro. Durma se com um barulho desses.
Noutra parte do artigo da «Veja» fala se de um detalhe técnico interessante. Os cientistas acabaram de descobrir que o cromossoma Y (aquele que permite a existência do sexo masculino) tem lá uma coisa qualquer que tende a provocar a sua perpetuação através dos tempos. Ou seja, que é praticamente impossível a erradicação dos homens da nossa espécie. Não deixa de ser uma boa notícia (embora as velhas feministas que queimam sutiãs talvez não achem lá muita piada). O certo é que a natureza é hábil e se determinou que os rapazes estão aqui para ficar é por algum bom motivo. O Brad Pitt é uma hipótese, mas não quero me alongar no assunto.
Fui perguntar ao meu Tio Olavo quais eram para ele as diferenças entre os homens e as mulheres. Ele respondeu me com o seguinte jogo de perguntas e respostas:
i) O que se deve dar para um homem que pensa em tudo?
R: Uma mulher para ensiná lo como funciona.

2) Por que é que as pilhas são melhores que os homens?
R: E que as pilhas têm sempre um lado positivo.

3) Por que é que os homens querem casar com virgens?
R: E que eles não suportam críticas.

4) Como é que se chama um homem interessante em Portugal?
R: Turista.

5) Por que é que Deus criou os homens?
R) Porque os vibradores não cortam a relva.

6) Por que é que apenas ro% dos homens vão para o céu?
R: Porque se todos fossem seria o inferno.

7) 0 que é que as mulheres mais odeiam ouvir quando estão a ter sexo de boa qualidade?
R: «Querida, cheguei».

8) Por que é que alguns homens na cama são como comida de microondas?
R: São 30 segundos e já está.

9) Quando é que um homem perde 90% da sua inteligência?
R: Quando fica viúvo.

10) E quando é que perde os 10% restantes?
R: Quando morre o cão.

ooooooooooooooooooooooooooooo

Eterna juventude.

«AS MULHERES SÓ DEVERIAM AMAR MENINOS de 17 anos». Esta é uma das frases mais polémicas escritas por um autor que era (ele mesmo) o símbolo máximo da polémica no Brasil durante décadas: Nelson Rodrigues. A frase sai da boca de Madame Clessi, uma velha prostituta, um dos personagens principais da peça «Vestido de Noiva».
Sempre gostei dessa fala por achar quê ela simboliza com perfeição o desejo pela eterna juventude tão cara entre as mulheres e os homens já adultos (já agora, não estou a falar nem vou falar nada sobre a Casa Pia; a conversa aqui é outra, tem a ver com comportamentos, não com taras; por favor, vamos elevar o nível da discussão).
«As mulheres só deveria amar meninos de 17 anos». E os homens meninas de 18, suponho. Daí ser tão vulgar aquela história do homem que troca a mulher de 40 por duas de 20. Que é uma piada velha e unia atitude corrente em qualquer pais ocidental.

Vejo isso um pouco por todo lado, indusive no meu grupo social. Ninguém quer ninguém que não tenha um rosto de pêssego, uma pele bem esticada, sem estrias, nem gordurada localizada (ou localizável, como diz um meu amigo um pouco para o cafageste).
Acho esse comportamento um bocadinho ridículo. Vamos ser sinceros: aturar gente jovem exige uma paciência infinita. Aquele mundinho em que eles vivem, plenos de certeza, arrotando verdades, típico de quem não tem experiência de vida, nem ouvidos para nada nem ninguém, é um autêntico porre. Não que nós, os de meia idade, sejamos menos chatos. Apenas somos chatos diferentes, somos chatos refinados, chatos que já não perdem tempo com velhas chatices e que descobrem chatices inteiramente novas todos os dias para chatear.
Os hippies dos anos 60 tinham uma máxima que dizia: «Não confie em ninguém com mais de 30 anos». Eu até concordo. Mas, por segurança, acrescento: não confie em ninguém com menos de 30 anos também. Assim o assunto fica melhor arrumado.
Veja bem, não estou a classificar de jovens apenas os teenagers estilo dread que frequentam as noites de sábado do Bairro Alto. Nem reduzo a definição aos atrasados mentais que povoam o Big Brother 4, num didáctico espectáculo diário que tenta (e prova) ser possível andar, falar e fazer sexo tendo apenas um neurónio avariado. Jovem para mim são todos com menos de 30 anos (e até com um pouco mais) que ainda não tenham tido a fabulosa oportunidade de ver que quase todos os seus pontos de vista não fazem em realidade nenhum sentido, que as suas estupendas personalidades mais incomodam os outros do que agradam, que tem pouca gente no mundo que sonha em partilhar urn elevador com eles quanto mais a vida.

O certo é que mais cedo ou mais tarde os peitos caem, o rabo desaba, como manda a lei da gravidade. E as rugas aparecem e os pretendentes (e as pretendentes) rareiam ou desaparecem. Não há elixir da juventude. Há botox e olhe lá. Por isso, mais vale alargar o target e induir na sua lista de ataque sentimental gente um pouco mais velha (se calhar da sua idade). Se conseguir me avisa. Juro que no dia em que eu descobrir como, eu vou tentar.
Mudando de assunto (ficando mais ou menos no mesmo). As teorias são, via de regra, sempre fabulosas e só costumam dar errado quando são colocadas em prática. E uma teoria interessante, apresentada pela revista brasileira «Veja» da semana passada, afirma que os homens (com «h» minúsculo mesmo, que é para diferenciar das mulheres que, como todos sabemos, já nascem perfeitas e maravilhosas) ficam muito melhores depois dos 30 anos. Melhores em todos os sentidos: aumentam a capacidade de comunicação, ficam mais desembaraçados, mais amáveis (principalmente depois de terem os filhos), mais disciplinados, mais relaxados e seguros de si.
Para comprovar essas teses a «Veja» recorre, daro, a estudos desenvolvidos em universidades nos EUA, entrevistas com psicanalistas e exemplos da vida de alguns famosos e outros ilustres desconhecidos. Tudo muito rigoroso, portanto.
Quer dizei mais ou menos.
Isso de que ficamos melhores com a idade não me parece muito convincente. E a própria «Veja» afirma mais adiante no mesmo artigo que há características (defeitos/feitios) que são praticamente impossíveis de mudar numa pessoa seja ela um puto de 12, 20 ou 37 anos. E não são coisas assim de menos importância: egoísmo, exibicionismo, obsessividade, frieza afectiva, comportamento anti social. Sem falar naquelas que (com a ajuda de terapias, meditação, yoga ou umas sessões com o Professor Karamba) só muito dificilmente uma pessoa consegue mudar pessimismo, depressão, temperamento explosivo, instabilidade emocional, dependência psicológica, mau humor crónico.
Ou seja, estamos fadados a ser a mesma porcaria a vida toda. Mudamos as roupas, mudamos o penteado, mudamos de marido ou de esposa, mudamos de emprego, só não conseguimos é mudar a nós mesmos naquilo que realmente interessa e é importante.
Sendo assim (obrigado, «Veja») decidi relaxar. Sou mais ou menos o que sou há muito tempo e já que vou continuar assim que pelo menos tenha prazer nisso. Quem quiser me comprar, compra. Quem não quiser, que vá na farmácia aviar outra receita. O próximo que me disser num bar que tenho que mudar vai levar com um copo de imperial na cara (de preferência vazio, que é para não desperdiçar cerveja). Eu se fosse você fazia o mesmo.
Ou como diria o meu tio Olavo: «Toda a gente quando se conhece de perto costuma sair correndo»..

oooooooooooooooooooooooooo

O
yuppie
louco
.

HA HORAS EM QUE DÁ VONTADE DE MANDAR tudo para aquele lugar, chutar o balde, virar a mesa. Há momentos em que temos gana de quebrar o pau da barraca, pôr lenha na fogueira, subir pelas paredes.
Há instantes em que o melhor é dar a volta ao texto, pôr os pontos nos «is», arrancar a camisa de força ou tirar o pai da forca. Há dias em que Deus só abençoa quem cedo madruga e nós levantamo nos tarde e saímos da cama pelo lado esquerdo. Aí, meu amigo, não tem jeito.
Em dias assim, questionamos tudo, pensamos muito, concluimos nada. Tentamos calcular a quadratura do círculo, dar nó em pingo d'água, achar chifre em cabeça de vaca, pêlo em ovo e reiventar a roda. Mas, como é óbvio, noves fora, nada.
Foi num dia assim, há exactamente dez anos, que escrevi urn pequeno conto (?) prospectivo em que me imaginava trintão e tendo urna crise existencial qualquer. Nem imaginava o quanto a ficção poderia se misturar com a realidade. E é esse conto que transcrevo a seguir. Primeiro porque o mais provável é que você nunca o tenha visto, logo terá uma boa oportunidade para continuar sem o ver. Segundo porque acho que ele se enquadra perfeitamente no espírito desta página e gostaria de compartilhá lo com os meus dois ou três assíduos leitores. 0 conto (?) é mais ou menos assim:

«Eu tenho tudo.
Eu tenho tudo, vejam vocês.
Tenho mulher, dinheiro, saúde.
Celular? Tenho três.
Carro, diploma, cartão do Sporting.
Ano passado tive um jacto,
mas passei adiante pois hoje em dia
o que interessa é não ter nada de interessante.
Não moro numa casa, vivo num estúdio.
Tenho um loft no Soho e urna vizinha chamada
Socorro.
Tenho urn cão, unia catatua que canta boleros,
urn mastim assassino e urna chinchila.
Nunca mostro os documentos.
Quem é não precisa provar.
Tenho trinta, mas aparento menos,
Muita água francesa é o meu elemento.
Comprei dois laptops e fiz milhões:
de euros, de inimigos, de escudos.
Não gosto da pobreza,
o meu negócio é a beleza.
De pobre basta o meu karma,
o meu porteiro, o meu berço.
já tentei vários suicídios,
alguns bem sucedidos.
Também tenho as paranóias da moda.
Sonho com o dia do juízo final,
o meu loft a arder
e a catatua em chamas a cantar «Besame Mucho».
Nesse dia enforco o mastim e dou para o cão comer
A chinchila uso como casaco.
Apanho o primeiro voo para Bali.
Hospedo me num Holiday im para manter as aparêndas.
Alugo urn carro desportivo de um ano indefinido
e vou para uma praia qualquer em que assaltem as pessoas..
Ataco um ou dois turistas,
com os meus próprios dentes arranco lhes as orelhas
vermelhas.
Depois mergulho na água
e começo a cantar uma música do Lloyd Cole.
E antes que o sol se ponha
e que o mundo expluda,
mergulho e conto até cento e cinquenta e cinco.
E, por instantes, não vou ter nada na cabeça e no bolso.
Vou ser só um pobre yuppie louco.
E pela primeira vez na vida,
quando o oxigénio acabar
e eu vencer os meus primários instintos de sobrevivência,
quando o meu corpo começar a contorcer se à procura de luz
quando pela minha boca entrar
a água, o sal e todo o poder da mãe terra,
quando eu começar a grunhir e ganir
e a chamar pela minha vizinha
Socorro,
eu serei por urn milionésimo de segundo,
acredite amigo,
eu serei feliz.
nem que seja por urna unha,
por um casco,
por um triz.»

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Pigmalião

NALGUMAS VERSÕES, PIGMALIÃO ERA O REI DE CHIPRE. Noutras era um simples escultor. Numas ele tinha uma aversão suspeita em relação às mulheres. Nas variantes mais levezinhas, muito pelo contrário, Pigmalião era um homem obcecado pelas linhas do corpo feminino. Em todas, Pigmalião decidiu esculpir a mulher perfeita. E assim fez.
Pronta a estátua, Pigmaliâo apaixona se perdidamente por ela. Dá lhe o nome de Galateia. Beija a. Abraça a. Deseja profundamente ir para a cama com ela. Mas, claro, não pode. Por mais que seja tão perfeita que até parece ser feita de carne (e que carne!) e osso, Pigmalião sabe que ela é feita de pedra. E como nenhum homem é de ferro, ele pede para Afrodite (a deusa do amor) que transforme Galateia numa mulher de verdade. E assim é feito. E Pigmalião casa com a sua obra e são felizes para sempre.

O mito de Pigmalião é um dos mais interessantes à luz do nossos dias. Ele está presente um pouco por todo lado nas, mais diversas formas. Quem vai a um ginásio esculpir o próprio corpo está a ser um pouco pigmalião. Tudo o que tem a ver com o universo da moda, das roupas aos acessórios, acaba por ser uma ferramenta pigmaliónica. Querer ser melhor, mais bonito, mais charmoso aos olhos de si mesmo e dos outros é a nossa sina, o nosso fado, o nosso drama. Somos todos Pigmaliões de nós mesmos.

Penso nisso depois de assistir a «Por Amor à Arte», do americano Neil LaBute. A peça mostra a história de um rapaz feio, desajeitado, sem piada, que encontra uma linda e hiper activa rapariga que estuda arte. Apaixonado, o rapaz deixa que ela mude as suas roupas, o seu penteado, a sua maneira de falar e até mesmo o nariz. Ele então torna se numa pessoa admirada, charmosa, cheia de auto estima. Torna se na verdade numa outra pessoa. Tudo parece correr muito bem até a rapariga ter que apresentar o seu projecto de fim de curso. E na apresentação descobrimos que o projecto dela era o próprio rapaz. A tese que ela defende é que a arte não passa de uma intervenção humana em materiais à procura da beleza e da perfeição. Logo o novo rapaz era obra sua. Ela, como uma escultora, moldou cada detalhe do corpo do namotado, cada pormenor da sua personalidade e da sua alma. Resta dizer que ela nunca esteve apaixonada por ele. Muito pelo contrário. Como uma verdadeira artista,olhava para o rapaz como um pintor olha para uma tela vazia, como um escritor olha para o papel em branco.
Depois da revelação, senti por todo o teatro um cheiro de incómodo, um ar de consternação. Os casais, principalmente os casais, não conseguiam disfarçar que o assunto seria debatido mais tarde a caminho de casa ou ao jantar.

Percebe se porquê. Que relação não tem um pouco de Pigmallão? Quem é que no tenta mudar o outro? E, admitindo que também aconteça entre amigos, parece me óbvio que as relações amorosas são o campo mais fértil para tal fenómeno. Daí ser tão difícil para quem já tenha os seus trinta e tantos começar um novo romance fixo, assumir um compromisso perene com alguém, admitir um relacionamento fixo.

Quem tem trinta e tantos já tem um jeito, uma maneira de ser e de estar. Está bem pouco aberto a grandes modificações que venham de fora para dentro. Já tem hábitos; manias, tiques e atitudes. Já tem um jeito de ser e de viver. E acha que já não tem defeitos, só feitio. O que não impede de querer intervir nos outros.

Imagino um Pigmalião moderno e suburbano.
Ananias, um obtuso e baixinho funcionário público de uma repartição com funções obscuras, é casado há vinte anos com Celeste, uma simpática e gorda cabeleireira. Ananias nutre uma paixão impossível pela Nicole Kidman. E todas as (poucas) vezes qué faz sexo com Celeste imagma que na verdade está na cama com a doce e loira actriz australiana.

Uma tarde, Ananias chega em casa e descobre que Celeste havia se transformado na Nicole Kidman. Enfim, as suas preces á Afrodite haviam sido atendidas. Celeste estava de avental e rolinhos na cabeça, mas mesmo assim tinha o corpo e a cara da sua amada Nicole. Ananias aperta a nos braços, atira a na cama e faz amor até de manhã cedo.

O tempo trouxe alguns problemas. Com tanto sexo, Ananias começou a definhar, a dormir no trabalho, a chegar atrasado na repartição. Só não foi suspenso porque o chefe queria descobrir qual era o segredo da transformação da Celeste. O chefe sonhava em um dia chegar em casa e ver que a sua esposa, a dona Cidinha, tinha se transformado no Kirk Douglas.

Para a Celeste, a vida também não corria nada fácil. Tinha perdido todas as amigas, enciúmadas com a sua beleza e temendo que os maridos se encontrassem com ela em casa. Além do mais, Celeste estava farta de tanto sexo. Aquilo era a todas as horas, todos os dias. Tinha saudades do tempo em que a função só ocorria na terceira quarta feira de cada mês (excluindo Fevereiro e Agosto que eram meses sabáticos).

Até que uma tarde, Celeste chegou em casa vinda do supermercado. Ananias deitado nu no sofá. Celeste quase caiu para trás com o que viu, Começou a chorar. Foi directo para o quarto, fez as malas e fugiu para a casa da mãe, quase sem dizer uma palavra. Ananlas ainda tentou argumentar mas foi em vão. Celeste estava decidida. Não havia casado para viver daquele jeito com aquele homem. Muito ela já tinha suportado. Mas agora era preciso dar um basta naquela vergonha, naquele horror. Ananias tinha exagerado, ido longe demais.
Era que, sem nem, pedir permissão, Ananias havia se transformado no Tom Cruise.
Ou como diria o meu Tio Olavo: «Quem ama o feio deveria procurar um oculista.